terça-feira, 30 de julho de 2013

ARTIGO


RETOMANDO A CAMINHADA

O Vaticano escolhe o víeis do carisma para retomar a caminhada rumo à liderança global.

 

No dia 13 de março de 2013, os jornais do mundo inteiro noticiavam a nomeação de Jorge Mario Bergoglio como o 266ª papa. De origem argentina, com 76 anos de idade, é o primeiro jesuíta e o primeiro latino-americano a ser eleito papa.

Analisando a reação dos meios de comunicação a respeito da nomeação do pontífice Francisco, verificou-se uma forte tendência por parte da mídia em supervalorizar suas habilidades carismáticas como simplicidade, informalidade e devoção.

Examinando acuradamente essa inclinação midiatica, percebe-se a intenção do Vaticano em querer retomar a sua marcha rumo à liderança global pelo viés do carisma. A espectativa é que essa ferramenta proporcione-lhe, de forma mais eficaz, o aumento da sua influência sobre os países e, como consequência, ocorra-lhe a restauração definitiva do seu domínio global, há muito desejado.

O FENÔMENO CARISMA

A busca do carisma parece ter sido o fator preponderante na eleição de novo pontífice. O que parece é que foi uma escolha acertada, pois os meios de comunicação enfatizaram exatamente isso. No programa é notícia da redeTV[1], por exemplo, Leonardo Boff entrevistado por Kenedy Alencar, chegou a afirmar que o novo pontífice liderará a igreja romana de uma forma diferenciada especialmente porque a sua política se centralizará no povo e não na instituição. Isso porque Bergoglio primeiro pediu ao povo que o abençoasse, fato incomum no primeiro pronunciamento de um papa. Ele ainda destaca as primeiras atitudes de Bergoglio ao falar de improviso e não discursar em latim. Atitudes, essas, novas e inesperadas.

Outro exemplo dessa tendência de prestigiar o novo pontífice com atributos excepcionais é encontrado no artigo Um papa que anda a pé publicado no site do Estadão dia 16 de março, por Christian Carvalho Cruz. O articulista ressalta, citando o teólogo jesuíta Jesus Hortal da PUC-SP, que Bergoglio “será o papa da linguagem do povo, da proximidade e da familiaridade”, habilidades extracotidianas num pontificado romano.

No site da BBC Brasil, do dia 15 de março, também se verificou a valorização das habilidades extracotidianas de Francisco. David Willey, nessa matéria, dá ênfase à recusa do papa em usar a limusine blindada. Ele preferiu fazer o percurso de ônibus com os outros cardeais. Ainda é dito que ele pagou a conta do hotel em que ficara hospedado com dinheiro do próprio bolso. Já no jornal Zero Hora[2], a ênfase foi na simplicidade dos gestos. Esse jornal até mesmo destaca que essa simplicidade pode mostrar lições essenciais para o mundo empresarial.

            Além dessas instituições jornalísticas, várias outras também direcionaram sua atenção às habilidades extracodidiana do novo pontífice. Não resta dúvida que o carisma se tornou o meio pelo qual o Vaticano deseja mostrar-se ao mundo. Se a via do carisma for a trilha que a igreja percorrerá daqui para frente, surgem algumas inquietações que precisam ser observadas.

CARISMA E SUAS IMPLICAÇÕES TOTALITÁRIAS

Em primeiro lugar, de acordo com o arrazoado sobre o carisma de Maurizio Bach[3], existe um objetivo último que se pretende com a utilização desse artifício no processo político ou religioso. Ele argumenta que para se caracterisar, por exemplo, uma pessoa genuinamente caristmática é necessario “por parte de um círculo limitado de pessoas, a crença nas qualidades extracotidianas do pregador ou na personificação de novas ideias de valores” (2011, p. 55). É o que presenciamos de forma nítida na cobertura midiática da eleição de Bergoglio: ênfase exagerada em suas qualidades não usual ou incomum.

Em segundo lugar, Bach salienta que o resultado último desse fenômeno é o poder quase que autoritário, por parte do líder carismático, sobre aqueles que reconhecem as suas virtudes. Para esse pesquisador, a magia carismática produz “uma força poderosa capaz de exercer tamanho fascínio sobre as pessoas ... reforçada ... pela pretensão autoritária de liderança de uma personalidade considerada extraordinária” (2011, p. 58). Como resultado do fascínio do carisma, os dominados exercem uma obediência quase que irrestrita ao líder excepcional, fruto de sua devoção ao absolutismo ou ao extraordinário. Bach assevera ainda que o “carisma ‘força’ a ‘sujeição’ como consequência da lealdade aos valores, [se transformando] em um recurso de poder e passa a constituir, ao mesmo tempo, uma relação de dominação” (2011, p.56).

Diante disso, é preocupante o ressente fascínio produzido pela mídia em relação ao carisma do novo papa. Sabendo que a igreja não renunciou em nenhum momento de sua trajetória política as pretensões de liderança mundial, o discurso carismático manifestado pelo novo pontífice pode anteceder um comportamento totalitário por parte do Vaticano, que seria um processo natural do fenômeno carisma. Assim como ocorreu com indivíduos emblemáticos da história como Hitler, Lenin, Napoleão Bonaparte e muitos outros, o início da caminhada política deles foi marcado por uma forte manifestação carismática, arrebatadora e extracotidiana, semelhante às manifestadas nas ações do novo papa. Porém, ao crescer o poder de influência deles sobre as massas, o que era carisma resultou em totalitarismo exacerbado.

O VATICANO E TOTALITARISMO

Por mais que possa parecer exagero, no século passado, alguns analistas religiosos já denunciavam as diversas tentativas por parte do Vaticano em retomar o domínio totalitário mundial perdido nos períodos da Reforma Protestante, Renascimento e, sobretudo, na Revolução Francesa. Desde o Tratado de Latrão[4] assinado pelo Vaticano e pelo governo italiano em 11 de fevereiro de 1929, no qual Mussolini restaura certos poderes à Igreja Romana, os pontífices romanos sobsequentes deram início à marcha de recuperação do poderio perdido.

O interessante é que essa retomada da caminhada rumo à liderança mundial, foi, de forma pioneira, denunciada pela escritora norte-americana Ellen G. White, há mais de cem anos. No livro O Grande Conflito[5], sua obra mais difundida, ela assevera de forma contundente que o Vaticano fará de tudo para recuperar o domínio exercido no passado. Pois faz parte da política da igreja assumir o caráter que melhor cumpra o seu propósito.

Dentre às várias denuncias que essa escritora faz, a que se refere aos trejeitos piedosos (marca do fenômeno carisma) apresentados pela Igreja Romana, hoje, como meio de atingir os seus objetivos é de suma relevância. White afirma que “a Igreja de Roma apresenta hoje ao mundo uma fronte serena, cobrindo de justificações o registro de suas horríveis crueldades. Vestiu-se com roupagens de aspecto cristão porém, não mudou”. Mais na frente ela salienta que “todos os princípios formulados pelo papado em épocas passadas, existem ainda hoje. As doutrinas inventadas nas tenebrosas eras ainda são mantidas. Ninguém se deve iludir” (2007, p. 571). Ela ainda declarou veementemente que o Vaticano “emprega todo expediente para estender a influência e aumentar o poderio, preparando-se para um conflito feroz e decidido a fim de readquirir o domínio do mundo e restabelecer a perseguição” (2007, p. 566).

Portanto, diante do que foi exposto, infere-se que a escolha do carisma por parte do Vaticano como meio de recuperar o prestígio perdido requer um olhar mais inquiridor sobre as implicações mundiais desse comportamento. Não seria mal observar com mais rigor os passos que a igreja romana vem tomando nesses últimos dias. Pois os efeitos naturais do fenômeno carisma é conduzir quem quer que o utilize ao fortalecimento do seu poder sobre as massas. Redundando como consequência, num domínio totalitário. Será esse o real objetivo da Igreja Romana? Hoje, pode parecer fundamentalista raciocinar dessa maneira. Porém a resposta eficaz e segura para essa pergunta, só futuro nos revelará.



[1] Essa entrevista foi veiculada no ar no dia 17 de março às 00:30hs.
[2] Sâmia Frantz. Propostas para Igreja Católica sinalizam o lado gestor do papa Francisco. Zero Hora, 16/03/2013.
[3] Carisma e Racionalismo na Sociologia de Max Weber:In Revista de Sociologia & Antropologia, v.01.01: 51 – 70, 2011 (http://revistappgsa.ifcs.ufrj.br)
[4] MOORE, Marvin. Apocalipse 13: isso poderia realmente acontecer?. 1 ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 57.
[5] WHITE, Ellen G. O grande conflito. 1 ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007.

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